segunda-feira, 4 de maio de 2020

Gaguejamos nós?

Gaguejamos nós?


Tradução de postagem extraída em didistutter.org


Dentre todas as coisas que a gagueira é, provavelmente ela é em primeiro lugar uma quebra na comunicação. Gagueira é uma interrupção no fluxo regular de como as palavras são pronunciadas-- e, tão importante quanto-- como as palavras são ouvidas por aqueles que nos estão ouvindo.

Eu tinha um trabalho borrifando ervas daninhas dois verões atrás e trabalhei com um cara chamado Mike: bem conhecido de todo mundo, sempre com uma história na ponta da língua e trinta anos empregado. Estacionados em um trator velho e empoeirado, Mike e eu estávamos esperando uma pancada de chuva até que ela finalmente veio. No meio da minha algo alongada sentença, ele de repente irrompeu com um “Ãh?” Eu cuidadosamente me repeti tentando não gaguejar, e de novo “Que?” Isso aconteceu algumas vezes. Enquanto eu trabalhava arduamente para falar e ser entendido, Mike não fez algum esforço para ouvir, nem se incomodou em fazê-lo. Nesse momento eu foi preenchido com a repentina e fulminante compreensão que eu não gaguejei sozinho, e nem poderia fê-lo. O gaguejar é, ao contrário, realizado entre um falante e um ouvinte. Ou, se se quer insistir que a gagueira é uma interrupção na comunicação, é uma quebra que ocorre entre o falante e o ouvinte. 


Se isso é verdade, então porque os falantes disfluentes carregam toda a carga de responsabilidade por ‘quebrar’ a comunicação? Por que somos nós os ensinados a se sentir envergonhados quando o processo de comunicação se alonga? Porque somo nós os ensinados a abominar nossa fala (e muito frequentemente, nós mesmos) porque os outros não querem fazer um esforço extra e despender um pouco mais de tempo para nos ouvir? Se a comunicação é uma interação entre falantes e ouvintes, então o gago sozinho não deveria ser o único marcado como anormal ou deficiente. Tem um sentido real em que ouvintes que ‘deficientizam’ nossa fala em se recusando a tomar responsabilidade no papel comunicativo, sejam eles os comunicadores ‘com defeito”. Nos comunicamos juntos; portanto, gaguejamos juntos. 


Naquele trator borrifador dois verões atrás, pela primeira vez ao invés de sentir vergonha da minha gagueira, uma resposta totalmente não familiar transbordou em mim: raiva de ser ignorado, raiva de ser excluído. 


A compreensão que são necessários dois para gaguejar anunciou um câmbio em como eu deveria entender minha deficiência e a resposta dos outros. Eu entendi que a gagueira e a vergonha que ela causa não poderia ser propriamente entendida pele mera dificuldade de vocalizar determinados sons. Compreender que minha maneira de me comunicar é interpretada como anormal e como uma deficiência pelos outros porque ela conflita com um conjunto particular de valores e estruturas sociais, me fez perceber que gaguejar não é primariamente sobre eu falar ‘errado’, mas uma maneira de discriminação capacitista. Esse entendimento me permitiu reinterpretar minhas experiências pretéritas bem como minha identidade atual, relações e objetivos. Dizer que isso foi empoderador seria uma subestimação.


Por: Josh
Tradução: Renato
Link para a publicação original: https://www.didistutter.org/blog/did-we-stutter


x

Um comentário:

  1. Belo trabalho! Sua visão sobre gagueira está na vanguarda. Temos muito em comum. Entre em contato: wladimirdamasceno(arroba)gmail.com ou no Instagram Bom Falantes. Abraço

    ResponderExcluir