segunda-feira, 4 de maio de 2020

Da Gagueira Encoberta para a Solidariedade

Da Gagueira Encoberta para a Solidariedade 

Traduzido do site didistutter.org

Eu não me lembro exatamente quando eu ouvi ou li pela primeira vez sobre “gagueira encoberta”, mas não faz assim tanto tempo. Pode parecer surpreendente porque eu a escondia durante a maior parte dos meus 20 e do meus 30 -- E simplesmente não percebi. Eu realmente achava que eu tinha “combatido” a gagueira, eu achava que os truques que eu usava --troca de palavras, pausar para aliviar a tensão, uso de interjeições e evitar um monte de situações de fala -- era o que eu supostamente deveria fazer. Os dias que eu conseguia ir sem qualquer gagueira eram sucessos e os dias em que eu gaguejava, fracassos completos. Eu também evitava tudo o que tinha a ver com gagueira: artigos, sites, podcasts. Eu até evitava um colega super legal que gaguejava. Eu sentia como se mesmo pensar sobre isso poderia revelar que eu ainda era uma pessoa que gaguejava. Eu só queria que isso ficasse para trás.

Eu comecei a gaguejar quando eu tinha mais ou menos 4 anos. Meus pais não se desesperaram já que meu pai também era gago, mas ainda assim eles me colocaram na fonoaudióloga desde o jardim de infância. Eu continuei nela todo o ensino fundamental I e até parte do parte do II. Eu decidi parar na 7ª série porque ela não estava mais ajudando, e francamente, eu a odiava. Eu podia até usar algumas técnicas na sala de terapia, mas tão logo eu estava lá fora no mundo real, elas pareciam impossível. No ensino médio, eu percebi como poderia fazer frases que evitassem palavras  com as quais eu sabia de antemão que gaguejaria. Na sala de aula eu era quieta e anti-social com meus colegas. Eu até comia meu lanche na sala de artes onde eu podia ficar sozinha e desenhar.

Na faculdade de artes eu fui tomada de ansiedade. Foi a primeira vez que eu estava longe de casa e sentia que aquele sentimento de falta de controle sobre minha fala tinha voltado. Minha mãe tentou me empurrar para a fono de novo. Dessa vez eu tinha aprendido como identificar minha tensão e como relaxar usando pausas e retomadas de fala vagarosas. Eu consegui aplicar essas técnicas fora da sala de terapia e as adicionei ao meu arsenal de maneiras para não gaguejar. Eu vivi assim por anos, mais de uma década na verdade. Eu ainda tinha palavras que eu sabia estavam aquém dos meus limites e eu gaguejava às vezes, mas eu passava batido por elas como ‘disfluências típicas’. Eu vivia externamente como uma pessoas fluente. Entretanto, internamente eu era uma pessoa nervosa e fragilizada. Eu estava constantemente com medo de me revelar como uma pessoa que gaguejava. Por causa disso, eu me privei muito da minha vida. 

É difícil para mim dizer o momento em que eu decidi que estava farta. Muitos eventos coincidiram, a começar com a morte repentina da minha mãe. Foi um momento tão estressante que eu não podia disfarçar. Outro foi quando meu pai foi diagnosticado com Alzheimer e se mudou em seguida para Chicago para estar perto de mim. Ouvi-lo gaguejar me conscientizou mais de meu próprio esforço.

Mas o evento pontual mais importante foi quando minha colega que gaguejava mudou para meu departamento e eu de repente tive que interagir com ela diariamente. Como tudo o que envolvia gagueira, eu a tinha evitado por anos. Eu tinha medo que ela reconhecesse minha meu jeito estranho de falar, porque era uma fraude. Eu achava que ela podia me ‘revelar’ ou pelo menos me confrontar e perguntar porque eu a escondi tanto tempo que gaguejava. Eu despendi semanas tentando adivinhar porque a expressão facial dela cada vez que eu abria a boca. Não faz mais ou menos um ano que eu sentei e fiz minha confissão em lágrimas a ela. Ela me disse que, honestamente, nunca tinha reparado nada uma vez que sempre estava focada em sua própria fala . Ela também me disse o quão feliz estava por eu ter sido capaz de falar com ela. A sua resposta elegante me ajudou a ver que eu não tinha nada sobre o que ter vergonha. Foi essa confissão, e o imenso senso de alívio que senti depois, que me ajudaram a perceber que eu precisava acabar essa farsa.

A comunidade gaga me abraçou imediatamente, do momento em que eu quis me identificar como uma pessoa que gagueja. Primeiramente eu encontrei pessoas pelo NSA (National Stuttering Association-Associação de gagueira americana) e pelo StutterSocial (Encontro virtual sobre gaguez anglófono). Eu comecei a ler tudo o que eu conseguia encontrar (a maioria inútil) e passar horas escutando podcasts. Eu comecei a enviar mensagens a pessoas cujas ideias me interessavam e tive a chance de encontrar muitas delas quando fui no encontro nacional verão passado em Atlanta. 

Através de todas essas conversas eu encontrei muita base comum, especialmente entre as mulheres, muitas das quais também viviam encobertas. Na verdade, quase todas as mulheres com as quais eu falei viviam encobertas por pelo menos parte de suas vidas, e muitas, como eu, pela maior parte de suas vidas. Eu me perguntava se era mera coincidência ou se as mulheres têm tendência a viverem escondendo sua gagueira com mais frequência. Eu falei com um amigo que tinha feito uma pesquisa com gagueira encoberta (mas não nesta área específica) e ele supôs que as mulheres têm padrões sociais diferentes dos homens, especialmente no que tange à aparência e à apresentação. Junto com padrões de beleza, forma corporal e reputação, as vozes das mulheres tem sido objeto de fiscalização por gerações. Por isso, não é surpresa que as mulheres que gaguejam sintam pressão adicional para conformar em normas sociais sobre como devem soar. Espera-se que mulheres sejam delicadas e tenham compostura. Gaguejar pode, às vezes, estar em conflito direto com isso. 

Um outro fator que esse meu amigo sugeriu seria que as mulheres talvez tenham memória verbal mais forte. Eu fiz algumas pequenas pesquisas e realmente achei que quaisquer diferenças de performance cognitiva entre mulheres e homens são provavelmente devido a fatores culturais e societais, ao invés de diferenças em gênero verdadeiras, mas isso não muda o resultado. Mulheres podem mudar o vocabulário mais facilmente e possuem vocabulários de trabalho maiores. Disfarçar a gagueira pode ser o resultado de pressões sociais  e as mulheres podem ser encorajadas a usar habilidades de evitação que desenvolvem ao longo do tempo. O que realmente me atinge de maneira triste é que enquanto uma garota ou mulher segue escondendo sua fala, ela não pertence a nenhum dos mundos: nem o gago nem o fluente. Ficamos presas em um limbo de negação e desonestidade. Esse é um lugar doloroso e debilitador de se estar. 

Estou muito feliz de ter chegado neste ponto de não só estar confortável de ser uma pessoa que gagueja, mas também orgulhosa. Eu vejo isso com umas das minhas características mais únicas e interessantes bem como um trunfo. Eu tento não morar muito nas escolhas que eu fiz na primeira parte da minha vida adulta, porque eu não tinha outra opção. Num certo sentido, eu apenas estava me conformando às expectativas culturais. Não posso fazer nada, mas me pergunto todavia: se as mulheres são mais prováveis de encobrirem sua gagueira, como eu, e vivem boa parte de suas vidas dessa maneira, será que na verdade pode haver mais mulheres que gaguejam do que o que é correntemente identificado estatisticamente? Se os dados só são extraídos daqueles que se auto-identificam ou das pessoas que participam dos estudos, então presumivelmente os gagos encobertos estariam excluídos.

A sociedade deve mudar a maneira como ela critica todas as vozes, mas as vozes das mulheres em especial. Nós somos frequentemente alçadas a um alto padrão e encorajadas a mudar como aparentamos e como soamos para conformar ideais sociais de beleza e apresentação. Mulheres e meninas que gaguejam são particularmente vulneráveis porque nós temos uma diferença adicional na maneira em que falamos. Nós somos censuradas e silenciadas devido à expectativas capacitistas sobre como devemos soar. Nós somos convencidas a comprar a ideia que a fluência é um ideal e como resultado, várias de nós procedemos por evitar uma grande parte de nossas vidas. Progressos foram feitos em termos de beleza e imagem corporal. É hora de dizer às meninas e mulheres que suas vozes são dignas de serem ouvidas do jeito que elas são.

Por: Elizabeth
Traduzido por: Renato 

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