sábado, 4 de julho de 2015

Um novo jornalismo

Eu já comentei da necessidade de reconhecer a gagueira não como um ‘defeito’, mas como uma discriminação social e uma forma de opressão. Sendo assim, é possível fazer diferente e resignificar a gagueira e a nossa experiência com ela. Um exemplo de alguém que rompeu com essas amarras e tem dado visibilidade para o falar disfluente é Bruno Torturra. Ele tem um currículo super interessantre, sendo um dos idealizadores da Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) de reconhecimento nacional e internacional. Se trata de uma rede de comunicadores descentralizada e independente  que objetiva colocar os próprios cidadãos no centro do processo comunicacional, livre de intermediários através de trabalho colaborativo e compartilhamento online. Ele é jornalista no Estúdio Fluxo, uma proposta de mídia independente com uma linha editorial interessante e conteporânea, onde dá pra assistir várias entrevistas dele. Eu conheci ele através de um amigo muito intelegente lá do Rio Grande do Sul que me passou o canal do estúdio no youtube. Eu fiquei simplesmente estarrecido com a coragem dele! Eu que sempre fugi de me expor, que tinha vergonha de falar, quanto mais conduzir uma entrevista. Aí eu tive certeza que a velha visão capacitista para com a gagueira precisa ser deixada pra trás. Um jornalista gago! Isso foi uma afronta à minha percepção da disfluência.
Falares que desviam do falar padrão e estereotipado não implicam em sujeitos que falam mal ou que não se expressam bem.  Comunicação é um ato complexo que envolve tanto componentes verbais como não-verbais, assim, temos sempre muitas ferramentas para expressar-nos e nuançar o que estamos dizendo. Não só podemos como temos o direito de matizar nosso discurso com espontaneidade e emoções independente de pausas demoradas, repetições, dissonâncias etc.! A única razão para polarizadamente nos opormos aos bons comunicadores é dentro da lógica do capitalismo liberal, que opera na valorização da produtividade e fragmentação subjugando e depreciando qualquer coisa que não esteja nos seus moldes. Dá pra sentir isso na pele e na cara quando temos que expor um assunto em rígidos 15 minutos ou quando nos é negada uma vaga devido à fala. Cada vez que alguém torce o nariz quando falamos, ri da nossa cara ou nos ofende, estão operando dentro desta lógica depreciativa e normativista, tirando assim a legitimidade da nossa fala. Quantas vezes nos abstemos de falar devido julgamento alheio? Quantos optam pelo silêncio e a reclusão, furtando de si mesmo o dereito de expressar-se!
Não fossem as mulheres começarem a lutar pelo seus direitos, os machos certamanete não lutariam. Não fosse os negros lutarem, seriam considerados pela religião e ciência européia como inferiores até hoje. Não fossem os gays brigararem pela legitimidade de seu amor, não teriam conquistado qualquer direito. O mesmo para a comunidade surda, que até relativamente pouco tempo tinha no oralismo a sua única opção de integração na sociedade. Portanto, nós gagos, fanhos, língua-presa*, precisamos nos conscientizar da marginalidade que nos é imposta e fazer-nos ouvir com nossas vozes! A palavra insere-se no jogo de poder para exterminar o seu diferente, não é diferente com o que tem ocorrido com as línguas e dialetos minoritários, com o incoveniente que essas ‘disfuncionalidades’ brotam no meio das cidades e mesmo no seio de famílias tradicionais. Claro que os pobres sempre sofrem mais. O trabalho é de duas vias: construir e desconstuir.
Diante disso, ressalto a importância do trabalho do Bruno Torturra com suas contribuições meritosas para o jornalismo brasileiro e, de nosso especial interesse, a sua colaboração para a criação de outros modelos viáveis e inclusivos.


Eu convido vocês a conheçer o seu trabalho:


*Sei que a terminologia soa ofensiva, mas me faltou termos não-científicos para me referir a esses falantes (voz hiperanasalada e anquiloglossia)



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