quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Capacitismo parte 1- Intersecção


Para quem ainda não sabe do que se trata capacistismo, eu resumi os pontos que eu considero serem os mais importantes para se compreender o assunto. A ideia de capacitismo vem da sociologia e está intimamente relacionado a outras formas de discriminação, como o racismo e a transfobia. É muito provável que você já tenha ouvido falar em um desses conceitos, todavia o capacitismo ainda é não é tão popular. Dividirei a postagem em três partes: nesta primeira falarei sobre as relações entre capacitismo e outras formas de discriminação, depois um pouco sobre a história do capacitismo e na terceira parte sobre sua relação com a gagueira.


Dicionario
Capacitismo é um termo utilizado para descrever a discriminação, opressão e abuso advindos da noção de que pessoas com deficiência são inferiores às pessoas não portadoras de deficiência. Inclui, desta forma, tanto a opressão ativa e deliberada (insultos, considerações negativas, arquitetura inacessível) quanto a opressão passiva (como reservar às pessoas com deficiência tratamento de pena, caridade, inferioridade).
http://www.dicionarioinformal.com.br/         --Não achei a definição em outro dicionário.


Capacitismo é a forma de discriminação ou preconceito contra indivíduos com deficiência física, mental ou de desenvolvimento, sendo caracterizada pela crença que esses indivíduos necessitam ser ajustados ou não podem funcionar  plenamente como membros da sociedade (Castañeda & Peters, 2000)1. Como resultado desses pressupostos, pessoas com deficiência são vistas como anormais, ao invés de serem percebidas como pertencentes a um grupo minotirário.


O capacitismo está para as pessoas com deficiência o que o racismo está para os negros, o que machismo está para as mulheres, o que heterossexismo está para a homossexualidade. Trata-se de grupos historicamente oprimidos no Brasil. Mas o que é opressão?


-É a negação de direitos, discriminação sistemática, é uma relação entre diferentes grupos sociais, na qual um grupo sai privilegiado, em detrimento de outro. É algo que vem de instituições de poder que se internalizaram dentro da sociedade e foram construídas socialmente. Opressão, diferente de preconceito, está longe de ser algo vindo do individual, mas sim do estrutural. É quando por motivos políticos, religiosos, etc., a sociedade inteira vai contra uma pessoa pelo simples fato dela pertencer a um grupo minoritário . Opressões formam classes hierárquicas, onde um tem poder sobre o outro e, consequentemente, indivíduos nascem e crescem com privilégios, já outros são absurdamente  prejudicados por tais e privados de qualquer direito2


Preconceito é quando não se conhece algo, ou se faz um julgamento precipitado.
Estamos mais acostumados a escutar sobre preconceito contra diferentes grupos, porém preconceito e opressão são coisas distintas.

Ao analisar historicamente a vida das mulheres, dos negros, dos homessexuais, dos transsexuais e dos surdos por exemplo, fica evidente que estes grupos de pessoas foram marginalizados por um sistemas de crenças e atitudes por toda a sociedade a que pertenciam, restringindo  seu pleno desenvolvimento pessoal. Qualquer um que quisesse (ou queira) romper com os que lhes era imposto teria que enfrentar a desaprovação da maioria (se não todas as pessoas) a sua volta. Socialmente, espera-se que essas pessoas correspondam à determinadas expectativas. Assim, antes da luta das mulheres pelo direito a voto (movimento conhecido como sufragista, esta eram excluidas do  direito ao voto, e caso uma quisesse participar da vida política, seria ridicularizada e penalizada. Um negro que quisesse estudar medicina no Brasil colonial, igualmente seria ridicularizado e impedido de acessar a academia. Dois homens que queiram viver juntos e demonstrar seu amor em público ou mesmo viverem juntos ainda hoje enfrentarão repressões. É algo a nível de sociedade. intimimamente ligado a opressão de grupos, a opressão é um mecanismo de  manuntenção de privilégios das classes dominantes/opressoras. Assim, a manuntenção da escravidão gerou riqueza e conforto para os brancos e a submissão das mulheres,garantiu a manutenção e perpetuação do patriarda até os dias atuais . As instituições de poder, dão o suporte necessário para que  isso ocorra: a escravidão era legal, escolas só para garotos, casamento civil só para pessoas de sexo oposto, os surdos devem ser oralizados e por aí vai.  Enquando as instituições,  pelo seu poder de normativização e disciplinarização,   garantem  a manuntenção do privilégio, o senso comum incorpora e opera as  relações assimetricas de poder, tendo como consequencia  a  desigualdade, de modo que aquele cujo direito foi negado reproduz  ideias como ‘mulheres tem vocação para o lar’, ‘homem foi feito pra ficar com mulher’, ‘negros tem aptidão para o trabalho braçal’, ‘isso é um castigo divino, você tem que aceitar’. Não é algo trivial questionar isso tudo, pois que exige mudança no modo de pensar, discordar de pessoas que querem impor os preceitos de sua religião (lembrando que o Brasil deveria ser laico) e principalmente, desafiar a manuntenção de privilégios.  
Todas as formas de opressão, ainda que se direcionem a diferentes grupos, exibem padrões comuns: o da exterminação do diferente, o da NORMATIVIZAÇÃO. A normativização dita o que é, e o que não é NORMAL, aceitável. Ela age através do explicitamente dito como pelo não dito, pelas expectativas criadas em torno das pessoas, e mesmo interveções como cirurgias plásticas e submissão a tratamento psicológico. Algumas pessoas se sentem tão desconfortáveis com sua aparencia física que se submetem à cirurgias para adequarem-se a um modelo de beleza para se sentirem valorizadas e desejadas. Garotos afeminados são frequentemente agredidos verbal e fisicamente e incentivados a assumirem comportamentos socialmente percebidos como masculinos mesmo que isso signifique reprimir sua expressão natural, gerando uma vida de infelicidade. Tudo o que desvia da norma aceitável deve entrar no modelo para ser aceito, se não está condenado a uma posição de inferioridade.  Como membros da sociedade incorporamos esses valores e os reproduzimos nas nossas relações com nós mesmos e com os outros.
Outra característica comum das opressões, é que elas tendem a operar atrevés de bionomios. Um que pertence à categoria privilegiada e outro que não pertence, geralmente sem intermediários. Por exemplo, ou se é macho viril, ou não. Ou se é mulher ou homem. São polos opostos, onde um polo tem privilégio sobre outro. Mas no mundo real existem intermediários que não se encaixam perfeitamente nestas categorias, tidas como ‘naturais’, gerando desconforto. As pessoas não gostam quando essas dualidades são desafiadas. Um hermafrodita desafia as categorias naturais de homem e mulher, um andrógino, injuria o que se espera da distinção clara entre os sexos. Um bissexual é chamado de indeciso porque pode transitar no binômio heterossexual-homossexual. No mesmo modo um gago, desafia a categoria porque ora se está, ora não se está gago. Fisiologicamente pode-se falar, mas não se fala. Esta inderteminação afronta o modelo binário e fixo. Mas a gagueira merece um tópico só pra ela :).


Homem
mulher
ou se é homem ou mulher
branco
não branco
quanto mais europeu e branco melhor
heterossexual
homossexual
ou você é hetero ou não é
capacitado (vidente, ouvinte, fluente)
deficiente(cego, surdo, gago*)
consegue ou não consegue
Ser humano
não humano

*A gagueira desafia esta dualiade estanque e previsível. Vou tocar neste assunto mais tarde

O grupo não privilegiado não tem as mesmas oportunidades que o outro grupo. Além disso o grupo não-privilegiado é visto como infeiror ao outro grupo, desumanizado, e por isso mesmo podendo ser até agredido. Assim, um grupo de garotos se permite atear fogo num mendigo de rua; um homem se permite esfaquear um travesti; alguém se permite tacar pedras em candoblecistas; dá paulada em gay; judiar de paraprégicos; os nazistas faziam experimentos com judeus e a maior parte das populações ameríndias foram assassinadas dentro dessa lógica. Diminui-se a humanidade do outro para que se possa agredi-lo.
Um dia desses eu ‘tava pensando nos xingamentos no bom português brasileiro, pense nos palavrões mais comuns que você sabe. Todos eles atacam a coluna da direita (mulher, negro, homo, deficiente).
Os xingamentos marcam e inferiorizam a quem se destinam: Galinha, vaca e piranha- exaltam a prática sexual das mulheres. Um homem que sai com muitas mulheres não é inferiorizado, podendo até se sentir até se sentir orgulhoso de ido pra cama com 3 num grupo de amigos. Uma mulher que pega 3 num dia, vai ser imediatamente taxada de galinha. É uma relação desigual incorporada pela sociedade. Os xingamentos mais ofensivos pra um homem poderia ser ofender a sua virilidade, ‘brocha’, ‘covarde’, mais aí, se está atacando o que ele não tem, e não o que ele é. Viado, bicha (paneleiro para os leitores portugueses)-pretende ofender pela negação da  do modelo de  masculinidade hegemônico e reprimir os  comportamentos associados à ideias de feminilidade. Macaco, gaguinho, mudinho, perneta, e os outros xingamentos etiquetam pela inferioridade que se assigna a um determinado grupo. E como xingar um hetero pela sua heterossexualidade? Um branco pela sua brancura (porque a necessidade do termo afrodescendente?!) Um cissexual por ser cis? Um vidente por enxergar? Como a língua se adapta ao uso de seus falantes, neste caso não é instanânea a evocação de uma palavra ofensiva para aqueles grupos, e não marcam com o mesmo peso a quem se destinam. Interessante observar ainda que para xingar pode-se usar nomes de animais, agindo na lógica da desumanização. Assim, há quem suponha que o especismo (discriminação contra os não-humanos e o pressuposto que os animais são inferiores) permeia todas as outras formas de opressão. Se os animais não tem alma, como alguns dizem, tudo bem explorá-los (os africanos escravizados também eram desprovidos de alma na mentalidade da época). A elevação do” ser humano” a condição de ser evoluído que detém as formas mais superiores de existir, esta na raíz de todo o  especismo.
Olhe pra coluna acima e tente xingar alguem que esteja totalmente na linha direita e compare com  número de xingamentos você consegue ofender alguma da segunda coluna, e veja a grau de ofensa.


Como já dito, a relação desigual é naturalizada no senso comum sem ser questionada. A visão de mundo de um povo influência fortemente toda a maneira de interpretar os fenômenos a sua volta. Nem a religião nem a ciência (sim, nem a ciência, como mostra a filosofia da ciência e etnociências) estão imunes a estas influências, a suposição de neutralidade vai sempre na contra-mão do que écomplexo . Assim,  já houve pesquisadores que ‘provaram’ que as mulheres são menos inteligentes, a antropologia chamava as comunidades tribais de ‘primitivas’, a linguística acreditava que línguas indígenas e africanas eram inferiores às européias, a teoria heliocêntrica teve resistência em ser aceita, os primeiros modelos da teoria da evolução acreditavam que as espécies evoluiam em direção a uma ‘perfeição’ etc...  Tudo isso devido a influências culturais dos cientistas que eram refletidas na elaboração de suas teorias científicas. Desta forma, infelizmente a ciência e a religião (no caso ocidental as religiões cristãs especialmente) apoiaram os atos mais atroz da humanidade. Isto não significa que elas são inúteis, a religião tem seu papel e a ciência o seu, apenas quero realçar que ambas não fornecem verdades absolutas e que são passíveis de erros.


Aqui eu apenas citei os aspectos que eu considero serem os mais importantes para se entender o que é capacitismo. Eu aconselho fortemente vocês pesquisarem mais sobre em outro outros sites, se aprofundarem na história e fazerem observações críticas no seu dia-a-dia.
Finalizando então, capacistismo é o conjunto de práticas e atitudes internalizadas na sociedade que reprimem e subjulgam indivíduos marcados por alguma ‘deficiência’, regulando sua liberdade e privando-os de seu pleno desenvolvimento enquanto ser humano.

1-Castañeda, R., & Peters, M. L. (2000). Readings for diversity and social justice (pp. 319–323)
2-http://www.festivalmarginal.com.br/social/opressao-x-preconceito-qual-a-diferenca/

Outros sites consultados:

Addressing Classism, Ableism, and Heterosexism in Counselor Education Laura Smith, Pamela F. Foley, and Michael P. Chaney
http://healthcareguild.com/presentations_files/Addressing%20Classism,%20Ableism,%20and%20Heterosexism%20in%20Counselor%20Education.pdf
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